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A bolsa de valores do amor — Celine Song, Vogue e o Direito de Família em uma mesma equação afetiva.

  • mariamanuporto
  • 30 de out.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 31 de out.

Casar custa, e não estou falando da festa. Custa conversar sobre dinheiro, sobre herança, sobre quem paga o quê — e o que acontece se um dia deixar de pagar. Penso que se deve falar do que se quer, e, principalmente, do que se teme.


Mas namorar também custa. Custa admitir publicamente que se tem alguém, em um tempo em que o amor virou sinônimo de fraqueza. Custa amar sem parecer dependente, se permitir a entrega, quando o mundo inteiro valoriza o desapego.


Vivemos um tempo em que o amor precisa justificar sua existência. Entre contratos e perfis, entre filtros e regimes de bens, ele virou também uma performance — de estabilidade, de autocontrole, de escolha racional. E talvez o “sim” nunca tenha custado tanto.


1. O preço jurídico do afeto


Casar é um ato jurídico, o Código Civil brasileiro não deixa dúvidas: amor e patrimônio coexistem, queiramos ou não. O Direito de Família regula as formas de união (casamento e união estável), define direitos e deveres, e as consequências da dissolução. Não há “felizes para sempre” sem cláusulas, sem artigos, sem papel passado.


Regimes de bens: o que se compartilha, o que se preserva


Nos artigos 1.639 a 1.688 do Código Civil, os regimes de bens moldam a dinâmica de cada casal. Na comunhão parcial, o que se conquista junto é dos dois. Na separação, cada um conserva o que é seu. Na comunhão universal, o “nós” se sobrepõe ao “eu”. Essas escolhas não são frias — são, na verdade, declarações de confiança e autonomia. Um pacto de amor lúcido, que reconhece que partilhar não é o mesmo que perder.


Herança e partilha: o amor no inventário


A sucessão — esse momento em que o amor se converte em formalidade — é outro espelho da realidade conjugal. Desde o julgamento do RE 878.694, o STF equiparou cônjuges e companheiros, reconhecendo que vínculos afetivos merecem o mesmo peso jurídico. Mas ainda assim, o tratamento da herança revela um paradoxo: o amor é imaterial, mas suas consequências são concretas.


A perspectiva feminina


Como lembra a advogada Patrícia Kaddissi, especialista em Direito de Família e Sucessões, “o amor pode ser cego, mas o contrato não é”. E é justamente por isso que as mulheres precisam se apropriar do discurso jurídico do afeto, porque ele também é ferramenta de liberdade. Autonomia patrimonial, pactos antenupciais e clareza sucessória não significam desconfiança: significam segurança emocional e econômica.



2. Autonomia e entrega


Talvez por isso, eu nunca tenha colocado a ideia de casar como prioridade. Apesar de ser muito romântica — e por vezes, intensa — sempre prezei demais a minha independência. Não que eu tenha algo sólido de fato, mas porque luto, todos os dias, para ter. Porém, a ideia de dividir, ou até abrir mão de algo que ainda estou construindo, me pareça um tanto incômoda.


Demorei anos para aprender a conquistar minhas próprias coisas — e, de repente, ter que dividir ou negociar isso, mesmo em nome do amor (calma, eu não estou nem perto de ser noiva), ainda me soa um pouco estranho. Sempre pensei em ganhar muito dinheiro, ter minha casa própria, meu carro, viajar o mundo — e não, necessariamente, logo arrumar alguém e casar. O foco sempre foi esse: construir uma vida que fosse minha antes de qualquer outra coisa.


Com o tempo, passei a olhar o casamento com menos resistência, como uma escolha possível, não uma rendição. Acho linda a ideia de duas pessoas crescerem juntas, construírem uma vida, uma parceria genuína, um amor de verdade — essas coisas que, no fundo, toda mulher deseja. Mas, enfim, penso várias coisas a respeito. Ainda não é uma certeza. Gosto de pensar que o amor pode ser partilha, sem precisar ser concessão.


3. A vergonha de amar


Em um artigo que achei tão inovador quanto provocante, a Vogue britânica publicou “Is Having a Boyfriend Embarrassing Now?”, assinado por Chanté Joseph. Ela escreve sobre algo curioso — e, talvez, desconfortavelmente real: ter um namorado virou quase um ato constrangedor.


Dizer “meu namorado” soa piegas, fora de moda, quase como um retrocesso em um mundo de mulheres independentes. O amor, que antes era o centro da narrativa, passou a ser o ponto de embaraço. Como se a afetividade anulasse a autonomia.


Talvez essa ironia moderna esconda uma ferida: a de que, ao tentar ser invulnerável, o amor virou sinônimo de fraqueza. O afeto, um risco reputacional e a entrega, uma prova de ingenuidade. Mas o texto da Vogue faz o oposto: sugere que há coragem em amar, e que admitir o amor é talvez um dos últimos gestos de sinceridade que nos restam.


4. Celine Song e a materialização do amor


Eu estava aguardando ansiosamente desde agosto (quando fui ao cinema) para falar sobre Materialists, novo filme de Celine Song — já tinha escrito até um texto anterior, no qual reformei para esta parte da matéria — e o momento é agora! Esse filme fala justamente sobre o que acontece quando o amor se torna produto, quando o “sim” se converte em transação emocional.


Já usei Tinder uma única vez, por curiosidade, e prometo: nunca mais. Me envolvi 4 anos atrás por três meses com alguém que parecia muito bom na tela, mas que, na vida real, não foi nada. Depois disso, nunca mais baixei. Minhas amigas me perguntam constantemente sobre aplicativos — Tinder, Bumble (Bubble, sei lá como chamam). Mas todos me parecem o mesmo: um cardápio infinito onde nos colocamos como produto, uma vitrine à disposição de quem desliza o dedo. E talvez seja essa a provocação do filme: será que vale a pena se deixar “materializar”? Ser avaliada por fotos, gostos, descrições calculadas?


Em Materialists, Celine Song cria uma metáfora elegante sobre o amor na era da performance. O filme acompanha Lucy (Dakota Johnson), uma casamenteira de luxo em Nova York, que organiza encontros entre mulheres ricas e homens financeiramente “compatíveis”. Ali, o amor é logística. Os sentimentos têm metas, sorrisos têm indicadores, e os casamentos são medidos como contratos de investimento.


Mas Lucy carrega uma solidão quase silenciosa. Por fora, ela é autossuficiente; por dentro, busca um olhar que a reconheça sem filtros. Entre o bilionário emocionalmente ausente e o ex desajustado e pobre, Lucy representa a mulher contemporânea: a que entende o valor da independência, mas sente falta do vínculo, a que negocia o amor como quem equilibra vulnerabilidade e estratégia.


Celine Song transforma o romance em reflexão sociológica: o amor como mercado, o afeto como capital simbólico, a relação como escolha consciente, e não como destino. Materialists não quer ser fofo, e sim verdadeiro. E a verdade é que amar hoje em dia, exige coragem para não se tornar um produto.


5. O contrato e o coração - momento final


Casar é jurídico. Namorar é político. Amar é humano. O verdadeiro custo do “sim” não está no buffet, no vestido ou na aliança, mas na coragem de encarar o amor sem disfarces, de discutir patrimônio sem apagar poesia. Deve-se entender que o afeto também se escreve em cláusulas, mas que nenhuma delas substitui a delicadeza da escolha. Talvez amar, hoje, seja o maior ato de lucidez que podemos ter. E, mesmo assim — ou justamente por isso — o mais bonito.

Matéria autoral inspirada no post de Instagram “O verdadeiro custo do sim” da Steal The Look, no artigo “Is Having a Boyfriend Embarrassing Now?” de Chante Joseph para a Vogue UK (outubro de 2025), no filme Materialists (2025), de Celine Song, e em reflexões contemporâneas sobre o amor, a autonomia e o Direito de Família.


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