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Cartier: a estética do compromisso e o Direito do luxo

  • mariamanuporto
  • 13 de out.
  • 4 min de leitura

Há promessas que brilham antes mesmo de serem ditas. O luxo, em sua essência, é um pacto silencioso entre o que se oferece e o que se espera receber: o impulso do desejo realizado e o desencanto da perda. Toda peça nasce da ilusão de completude: o anel que eterniza, o colar que fala sem palavras, o perfume que marca presença mesmo na ausência. Mas o tempo, esse juiz implacável, sempre exige provas.


Entre a promessa e o desgaste, o universo do requinte revela o seu paradoxo: aquilo que mais fascina também é o que mais nos frustra quando perde o brilho. É o instante em que o símbolo falha, o que foi prometido não se cumpre, e o valor se dissolve. Nesse intervalo, onde o belo se torna evidência e a experiência se transforma em vínculo afetivo, habita a essência da relação.


O valor das coisas belas


No Direito das Obrigações, o chamado interesse contratual positivo representa o cumprimento da expectativa, o estado em que se obtém o prometido. Já o interesse negativo traduz a decepção da confiança quebrada, a reparação pela esperança frustrada. Ambos encontram fundamento no artigo 402 do Código Civil brasileiro, que prevê indenização pelos prejuízos efetivos e lucros cessantes resultantes do inadimplemento.

Mas fora dos códigos e tribunais, essa lógica também se desenha em sutilezas. O mercado do luxo é o território onde promessa e frustração coexistem sob brilho e verniz.


Na moda e na joalheria, cada criação carrega uma dívida implícita: a de permanecer. O interesse positivo é o encantamento da promessa cumprida, o desejo realizado. O negativo é o vazio daquilo que não se sustenta, o dano do encanto quebrado. O segmento do alto padrão, afinal, não vende apenas objetos, mas garantias simbólicas de eternidade: o amor que dura, o estilo que não envelhece, a perfeição que se mantém intocável.


Quando o desejo vira jurisprudência


Em 2022, a Cartier processou uma joalheria francesa por usar a palavra “LOVE” em pulseiras próprias, um termo comum, mas que para a maison havia se tornado sagrado. O caso, além do embate jurídico, revelou algo mais profundo: como o Direito do luxo protege promessas, e não apenas propriedades. O tribunal francês reconheceu que “LOVE” não era apenas uma palavra, mas uma promessa protegida, uma expectativa de eternidade. O Direito, ali, não protegeu o metal, mas o valor intangível da confiança entre criador e público.


Na essência, o processo simboliza o embate entre interesse positivo e interesse negativo. O interesse positivo, para a Cartier, era manter viva a expectativa legítima de que o público associasse a palavra ao seu ideal de amor eterno: o cumprimento simbólico de um contrato afetivo entre marca e consumidor. Já o interesse negativo se revelava na defesa da outra joalheria: evitar que um termo de uso comum se transformasse em monopólio estético, restringindo a liberdade criativa no mercado.


Entre esses polos — promessa e proteção, liberdade e exclusividade — está o que Rudolf von Ihering chamaria de “a luta pelo direito”. A Cartier não defendia apenas um registro de marca, mas a integridade de um sentimento, de uma linguagem construída ao longo do tempo. E o tribunal, ao decidir, não julgou apenas um contrato: interpretou um compromisso moral, onde certas criações ultrapassam a matéria e passam a habitar o campo da confiança, o ponto de encontro entre Direito e estética.


Entre o contrato e o mito


Toda marca de luxo constrói uma relação de fé com quem a escolhe. Comprar uma pulseira Cartier, uma bolsa Hermès ou um vestido Dior é, de certo modo, assinar um acordo de confiança, não escrito, mas socialmente reconhecido. É confiar que o objeto entregará mais do que o material: uma sensação, uma história, uma permanência. E é justamente quando esse pacto é violado — por uma cópia, um defeito ou um desgaste moral — que surge o dano simbólico, cuja reparação ecoa o princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil).


No Direito, o dano é mensurável. No mercado exclusivo, ele é existencial. E é por isso que eles se tocam em um ponto essencial: ambos lidam com a crença na palavra empenhada.


A eternidade como cláusula


Prometer beleza é também se responsabilizar por ela. O que o Direito chama de obrigação, o luxo chama de compromisso. E toda promessa, para ser legítima, precisa suportar o tempo, algo que o artigo 421 do Código Civil consagra ao afirmar que a liberdade contratual deve observar a função social do contrato. Essa função se manifesta na própria ideia de continuidade: a marca não apenas entrega um bem, mas garante a permanência de um ideal.


O brilho da joia nova é a plenitude do pacto cumprido; o som que ela faz ao cair é o eco da ruptura. Entre ambos, vive a tensão de tudo o que é belo: aquilo que encanta, mas também cobra um preço.


Afinal, o luxo não é apenas sobre o que reluz, é sobre o que permanece. E talvez seja nesse ponto que ele e o Direito se toquem com mais intensidade: ambos são tentativas humanas de dar forma àquilo que não queremos perder.

Matéria autoral inspirada no artigo “You can’t have your cake and eat it too”: interesse positivo e interesse negativo não são cumuláveis”, publicado na Revista Agire (2023), de autoria de Renata Steiner. O texto também faz referência aos artigos 402, 421 e 422 do Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406/2002) e ao art. 124, VI, da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996), que tratam da função social dos contratos e da distintividade das marcas. A discussão dialoga com Rudolf von Ihering, em A Luta pelo Direito (1872), e com o campo contemporâneo do Direito do Luxo, que investiga o valor simbólico e jurídico das criações de moda.


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