"Model" e os bastidores de um Império de Beleza
- mariamanuporto
- 25 de ago.
- 6 min de leitura
Atualizado: 5 de set.
Quem é aluno de universidade sabe que às vezes aparecem aqueles sebos cheios de livros esquecidos, e eu, nos últimos tempos, tenho me divertido frequentando esses lugares. Sempre fuço nas caixas de moda, procurando novidades ou achados curiosos, até que, em uma dessas visitas, encontrei um livro grande, bonito, e em inglês: "Model", de Michael Gross (retratado nas fotos acima). Resolvi levar, e posso dizer que não me arrependo nem um pouco. O que me chamou atenção foi a proposta de revelar os bastidores da indústria da moda e a capa elegante: uma combinação entre história, jornalismo investigativo e revelações sobre poder, contratos e a vida das supermodelos, temas que sempre despertam minha curiosidade tanto pelo aspecto cultural, quanto pelas implicações jurídicas que podem surgir dessa realidade.
Por trás do glamour, conviviam poder, silêncio, exploração e estratégias empresariais que moldaram gerações. O livro “Model: The Ugly Business of Beautiful Women”, abriu as cortinas desse teatro em 1995 e permanece atual, especialmente quando revisitamos suas páginas à luz dos movimentos de denúncia que enlouqueceram o sistema fashion nas últimas décadas.
Gross não era apenas um jornalista curioso: ele viveu a moda de dentro. Nos anos 1980, escrevia a coluna "Fashion Notes" no New York Times e frequentava a primeira fila dos desfiles de Paris e Nova York. Como contou em entrevista recente (2022) , ele entrou nesse universo por acaso — “astros do rock namoraram modelos, e isso me levou à moda”. O que parecia um campo periférico, na verdade, revelou-se um território de poder, manipulação e imagens fabricadas.
Por trás da aura das passarelas, das campanhas milionárias e das capas de revista que moldaram o imaginário coletivo ao longo do século XX, a indústria da moda sempre escondeu um lado sombrio. Foi esse universo que Michael desnudou em seu livro. Mais do que uma crônica da ascensão das modelos, o livro é uma investigação contundente sobre o funcionamento das grandes agências, os bastidores de abuso e a lógica de poder que sustentou a máquina da beleza. Assim, adentramos o livro em mais uma matéria da Maizon Magazine.
O jogo das agências: Ford, Elite e o controle absoluto
Agências como Ford Models e Elite Model Management não apenas descobriam rostos promissores, elas criavam um sistema que transformava adolescentes em ativos financeiros controlados. Gross detalha cláusulas que mais pareciam armadilhas: taxas de hospedagem, roupas, alimentação e até viagens eram descontadas dos ganhos, deixando muitas modelos endividadas antes mesmo de estrear nas passarelas. Esse ciclo de dependência é equivalente a uma forma de coação econômica, tema relevante para o direito penal em questões de exploração de vulneráveis e crimes contra a liberdade individual.
Nos Estados Unidos, práticas semelhantes podem ser enquadradas sob leis federais de tráfico humano (Trafficking Victims Protection Act, 2000), que criminalizam a exploração de trabalho forçado, servidão ou exploração sexual de indivíduos vulneráveis, com penas que vão de 10 anos à prisão perpétua, dependendo da gravidade e da idade da vítima.
Internacionalmente, convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como a Convenção 29 sobre Trabalho Forçado e a Convenção 182 sobre Piores Formas de Trabalho Infantil, estabelecem obrigações para estados-membros de prevenir e punir o trabalho coercitivo e a exploração de menores, reconhecendo que contratos abusivos e imposições de submissão por agentes podem ser tratados como crimes graves de exploração, sujeitando os responsáveis a sanções civis e criminais. Assim, o controle absoluto exercido por agências sobre modelos não é apenas uma questão ética, mas uma violação de normas de proteção internacional e nacional.
Além do aspecto financeiro, essas empresas exercem poder quase absoluto sobre a vida pessoal das jovens estrangeiras. Elas eram frequentemente alojadas em apartamentos superlotados pagos pelas agências, muitas vezes sem acesso a recursos básicos, tornando-as vulneráveis a coerção e abuso físico e psicológico. A conduta de agentes que manipulavam carreiras e decisões pessoais das modelos se aproxima de crimes de exploração e abuso de vulnerabilidade, com implicações diretas para a legislação de proteção à criança e adolescente, ainda que algumas vítimas fossem maiores de idade.
Os lados ocultos:
O que o autor chama de “negócio feio” vai além de contratos abusivos: envolve, entre todos os pontos, o uso de drogas como moeda de controle e pressão psicológica intensa. Modelos eram obrigadas a manter padrões físicos rígidos sob chance de perder oportunidades, e muitas vezes eram envolvidas em festas privadas e relacionamentos forçados com homens poderosos da indústria. Esses comportamentos se enquadram em tipificações penais de assédio, coação e exploração sexual, além de levantar questões sobre responsabilidade civil das agências.
Gross também relata interações com figuras do crime organizado e interesses políticos, mostrando que os desfiles muitas vezes encobriam transações ilícitas e acordos secretos. Do ponto de vista jurídico, tais práticas podem configurar crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, fraude e violação de direitos trabalhistas.
Nos EUA, a legislação como o Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act (RICO, 1970), pune organizações criminosas que se beneficiam de atividades ilegais, incluindo esquemas de exploração e fraude. Internacionalmente, instrumentos como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC) e a Convenção de Palermo sobre Tráfico de Pessoas estabelecem padrões de responsabilização de indivíduos e empresas que participam de redes ilícitas, demonstrando que o glamour da moda não exime a indústria de accountability legal. Assim, o cenário descrito por Gross não é apenas uma questão de escândalo, mas um campo fértil para análise de crimes econômicos, exploração e coerção sistêmica.
A questão do poder: supermodelos e desigualdade estrutural
Mais do que um livro sobre moda, Model é um estudo sobre o desequilíbrio estrutural de poder. Fotógrafos, estilistas, editores e agentes exerciam uma autoridade esmagadora sobre meninas que mal haviam saído da adolescência. A promessa de fama funcionava como armadilha: sair do sistema sem sofrer danos à carreira ou à saúde emocional era quase impossível.
As "supermodels" Naomi Campbell, Cindy Crawford, Linda Evangelista, Claudia Schiffer e Christy Turlington, eram símbolos de um mercado bilionário sustentado por contratos desiguais e silêncio forçado. Esse domínio sobre indivíduos vulneráveis, combinado com manipulação econômica e sexual torna o estudo do livro relevante para o direito penal e proteção de direitos individuais. Ao revisitar essas histórias, percebe-se como a estética se tornou poder e como as estruturas da moda ainda refletem desafios éticos e legais que permanecem atuais.
Por que esse livro ainda importa?
Publicado no ano de 1995, o livro de Gross permanece atual. As denúncias ecoam em escândalos recentes, do movimento #MeToo na moda às investigações sobre assédio e exploração de modelos menores de idade. Ainda hoje, a discussão sobre contratos justos, representatividade e proteção de jovens profissionais da moda é urgente. A questão que paira é: mudou alguma coisa de fato? Se por um lado houve avanços e mecanismos de denúncia, por outro, o mercado parece ter apenas sofisticado seus métodos de controle.
A lógica do poder ainda existe, talvez de forma mais discreta, mas igualmente presente. Hoje, quando o mercado busca uma narrativa mais transparente e diversa, o legado de Gross nos lembra que por trás dos holofotes sempre houve sombras profundas. E que expor essas sombras continua sendo um ato de resistência.
Epílogo: o preço da beleza
Model não é apenas um livro sobre a indústria. É sobre como sonhos de beleza se transformam em pesadelos de controle. E, acima de tudo, é sobre quem ousa contar a verdade em uma indústria construída sobre aparências. O feio negócio das mulheres bonitas está na estrutura que continua a valorizar a aparência acima de qualquer outra coisa, transformando vidas em capital.
No fim, o livro lembra que por trás de cada imagem perfeita há uma história imperfeita, e que a beleza, tão celebrada, muitas vezes cobra um preço alto demais de quem a carrega como profissão.
Matéria autoral baseada em: Gross, Michael. Model: The Ugly Business of Beautiful Women. 1995, na Legislação Americana: (Trafficking Victims Protection Act (TVPA), 2000, Estados Unidos, Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act (RICO), 1970, Estados Unidos, na Organização Internacional do Trabalho (OIT), Convenção 29 sobre Trabalho Forçado, Convenção 182 sobre Piores Formas de Trabalho Infantil, United Nations Convention against Corruption (UNCAC), 2003, United Nations Convention against Transnational Organized Crime (Palermo Convention) 2000) e por fim na entrevista com Michael Gross sobre bastidores da indústria da moda e poder das agências, por Diane Pernet (2022).
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